A arte tomou conta d’A Piscina 
que é um palco aberto à cidade

Cultura

A arte tomou conta d’A Piscina 
que é um palco aberto à cidade

Ana Mota, Jornalista
Rafael Moreira, Fotografia

O edifício tem mais de 100 anos e são vários os pormenores que lembram as memórias do espaço. Recordações antigas afixadas na parede e o pé direito muito alto, assim como os corredores estreitos e labirínticos que nos levam até à sala “magistral”, revelam um lugar único, secreto, em pleno centro da cidade do Porto. No fosso da primeira piscina municipal da cidade, os corpos, soltos, movimentam-se com liberdade. De um lado para o outro. De cima para baixo. Fluem numa sala de ensaios única. De repente um pontapé. Um movimento de anca. Um braço que se estica em direção ao nada. Tudo parece encaixar perfeitamente, como se este fosse, desde sempre, o palco ideal para esta dança. Ao fundo, as escadas de acesso à piscina, os sacos de boxe encostados à parede e o aviso: “é obrigatório o banho de chuveiro”, lembram as várias utilizações da sede do Sport Clube do Porto. ?

Maria Inês Silva, programadora artística, sentia-se perdida, “numa grande indefinição”, quando descobriu este edifício. Tinha até tido um pesadelo: achava que ia ser trabalhadora independente para o resto da vida e que ia “estar sempre no estado de ansiedade”, de quem está constantemente à procura de trabalho. Sem emprego regular e sem espaço para produzir, decidiu percorrer a lista telefónica de A a Z até chegar ao amigo que lhe trouxe a solução: existia uma sala de ensaios disponível numa das localizações mais nobres do Porto. “Disse-lhe que era impensável conseguir pagar uma renda na Rua de Santa Catarina, mas respondeu-me que era um espaço diferente, para vir cá visitar. Nunca imaginei que me fosse deparar com uma piscina vazia, muito sedutora. Lembro-me de pensar que estava a ver o meu futuro porque senti que o espaço era muito irreverente. Apesar de ser muito antigo, via um potencial muito jovem neste lugar”, explica a artista e programadora, fundadora do projeto A Piscina.

Depois da descoberta, o espaço foi apropriado por um coletivo artístico, a programadora Maria Inês Silva, a atriz Eduarda Alves e a coreógrafa Lea Siebrecht, que desde o primeiro momento disseram sim ao projeto. Os meses que se seguiram – de maio a agosto de 2022 – foram de reabilitação e preparação do espaço, que passou a ser muito mais do que uma sala de ensaios. Com as próprias mãos, pintaram paredes, limparam azulejos, instalaram iluminação e prepararam a piscina para ser sala e palco das mais variadas formas de arte performativa. “A mim dá-me um certo gosto usar um espaço burguês para benefício de uma arte precária. A cultura é um lugar precário em Portugal e nós, os marginais, de repente podemos reclamar um espaço no centro do Porto. É aí que percebo que isto não é só para mim e que é das pessoas”, conta Maria Inês Silva, com o entusiasmo de quem procurava um espaço para os próprios projetos, mas acabou a criar uma nova instalação cultural na cidade.??A Piscina tornou-se um espaço de programação, que “dá lugar” ao trabalho de artistas emergentes, ao mesmo tempo que cria resposta ao que “a cidade precisa e quer ver”. O primeiro trabalho artístico a ser apresentado foi o da bailarina e coreógrafa Rina Marques, fundadora do projeto DESCARGA, que promove o exercício da improvisação entre várias práticas artísticas, através da organização de jam sessions. A primeira DESCARGA aconteceu em julho de 2023, mas o evento já mergulhou na programação da Piscina em diferentes momentos. “Quando viemos e fundámos este espaço, percebemos que a Piscina é um espaço de programação, que sabe o que é que está a acontecer na cidade. É perceber o que as pessoas precisam de ver e ainda não viram”, explica a fundadora e programadora da Piscina.

Num “espaço imediato, sem burocracias”, A Piscina desenhou-se conceptualmente com base nas exigências e necessidades de quem observa. Tornou-se um ponto de encontro do público das artes performativas. “O público veio dar-nos a perspetiva do que o espaço poderia ser. A programação que foi desenhada veio muito do que o público estava à procura e do que já tinha como ideia para o nosso próprio espaço. Rapidamente passou de nosso para toda a gente”, afirma Eduarda Alves, atriz e coordenadora-executiva da Piscina.

Envolvimento do público no processo criativo

O ciclo programático que decorre este ano, e que arrancou em setembro de 2024, foi a base para a “construção de identidade” da Piscina e representa os valores que o projeto defende. O envolvimento do público e a “democratização” na escolha dos projetos e artistas selecionados representam aquilo que o espaço defende e quer promover. A programação escolhida foi selecionada pelo Criatório, um concurso anual de apoio à criação e programação artística, apoiado pelo município do Porto. O programa arrancou com o ciclo Cápsula, destinado a artistas com projetos incipientes, que procuram um espaço de experimentação. A seleção é feita em open call e permite que os criadores estejam duas semanas em residência artística, com o acompanhamento de um júri independente que faz a mediação e orientação do projeto. No final, as performances são apresentadas ao público, num processo de abertura do trabalho. “Das coisas mais difíceis para um artista é quando tem uma ideia, mas não tem onde experimentar. O Cápsula aceita exclusivamente ideias embrionárias. Houve projetos que foram selecionados só com uma linha de sinopse, com um formulário super simples”, explica Maria Inês Silva.?

Foram selecionados para júri a bailarina Catarina Campos, a encenadora e dramaturga Sofia Santos Silva e o desenhador e bailarino Flávio Rodrigues, responsáveis por selecionar e acompanhar seis projetos artísticos. “Acho que foi das opções mais corretas, de começar a programação com este ciclo, porque foi uma apresentação lenta das motivações do espaço. Foi uma coisa muito comunitária. Conseguimos angariar pessoas e que as pessoas se fidelizassem, ficassem connosco”, explica a programadora.?

Ao Cápsula, juntam-se o ciclo de performances Brava que seleciona artistas na linha da frente de questões sociais e políticas, o ciclo de videodança Tapes e o ciclo de diálogo Piscina Talks. Este último consiste numa aproximação do público ao mundo artístico, através de uma conversa sobre um tópico não artístico, mediada por Antonio Onio. “Irmos a um espetáculo e entrarmos apenas como espectador, sem ninguém ouvir a nossa opinião, não sei se faz tanto sentido. Hoje em dia o público tem muita vontade de participar, assim como tem muita vontade de ser visto”, explica a programadora artística da Piscina.?

Paralelamente ao ciclo programático, o novo espaço cultural da cidade do Porto disponibiliza, semanalmente, aulas de dança, workshops e masterclasses, através do serviço educativo Submergir. A oferta formativa inclui aulas de dança contemporânea, dança somática, um curso de dança, teatro e escrita criativa, assim como um curso de defesa pessoal queer. “Interessa-nos muito preencher esta lacuna que existe entre artistas e não artistas, entre comunidade, performers e intérpretes. Queremos criar uma zona comum a todas estas pessoas, para que possam coexistir no mesmo espaço e aprender em conjunto.”, acrescenta Lea Siebrecht, coordenadora do programa Submergir. De portas abertas à comunidade e com o objetivo de dar palco a artistas emergentes, a Piscina quer ser um espaço que participa na construção de uma “cidade do futuro”, que cria espaço para o diálogo, ao mesmo tempo que responde e acolhe as necessidades do público.

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Publicado em 1 Maio, 2025 - 00:00
Arquitectura
Urbanismo e Sociedade