Aprender com os olhos na natureza e as mãos na terra

Natureza

Aprender com os olhos na natureza e as mãos na terra

Nelson Jerónimo Rodrigues, Texto
Catarina Alves, Fotografia

Árvores e plantas em vez de paredes, troncos e lonas no lugar das mesas e das cadeiras e muita terra, lama e céu para dar largas à imaginação. Nas escolas da floresta, as crianças crescem e aprendem no meio da natureza, mesmo que estejam em plena cidade, faça chuva ou faça sol. Bom dia, floresta, podemos entrar?

 

Truz, truz! “Quem é?” “Sou eu, um jornalista que gostava de falar contigo”. “Mas porque é que queres falar com uma fada do bosque?”, pergunta-me Sofia, uma menina de olhos curiosos, enquanto espreita pela porta improvisada de uma pequena cabana, feita com madeiras soltas e ramos de árvores. Antes que pudesse responder, já tinha um pequeno pau apontado a mim – “não é um pau, é uma varinha mágica”, corrige-me – garantindo que, com uns pozinhos de perlimpimpim, consegue tornar inofensivas todas as urtigas das redondezas. Dito e feito. Depois da magia, toca-lhes sem medo, garante que não picam, e lança-me o repto: “Agora é a tua vez!”. “Ei, comigo não está a funcionar”, respondi-lhe à primeira tentativa. “É porque não andas nesta escola!”
Com apenas cinco anos, sabe bem que a Escola Lá Fora é especial, muito diferente de quase todas as outras, incluindo a de um antigo menino, agora jornalista, que andou numa creche com recreio de cimento. Naquele recanto da Quinta das Conchas, em Lisboa, não há paredes, janelas ou telhados, mas uma mata com muito verde e terreno livre para brincar e correr, onde cada criança faz o que quer. Por exemplo, a Francisca e o Ítalo trepam às árvores com uma destreza surpreendente, enquanto o Afonso aproveita a lama para fazer um “delicioso bolo de chocolate”. “Queres provar?”, desafia-me, com um sorriso maroto.

Nesta escola, as aulas são sempre ao ar livre, mesmo em dias de chuva, e é no meio da natureza que as crianças se divertem, aprendem, fazem as refeições, dormem a sesta e vão à casa de banho. Tal como defende o modelo pedagógico Forest School, surgido na Dinamarca durante os anos 1950, segundo o qual os meninos e meninas devem ser encorajados a explorar a natureza, observando o que ela tem para ensinar com o apoio de adultos, mas estimulando sempre a autonomia de cada um. “Aqui, as crianças têm liberdade para explorar o risco, subir às árvores e usar ferramentas, para falhar e voltar a tentar. Trabalhamos muito a parte socio emocional, para que tenham confiança em si próprios e consigam gerir a tolerância à frustração, além de poderem sujar-se à vontade”, diz-nos a diretora-executiva da Escola Lá Fora, Ana Passos e Sousa.

A responsável revela que em Lisboa oferecem um serviço para bebés (acompanhados pelos pais) e para crianças em idade pré-escolar (dos 3 aos 6 anos), mas também para crianças até aos 12 anos, durante os períodos de férias. Psicóloga de formação, lamenta que o Ministério da Educação não reconheça este modelo pedagógico para o pré-escolar, tal como acontece noutros países, e admite “todo o interesse em estendê-lo ao primeiro ciclo”, mesmo que não seja de forma exclusivamente outdoor. “Conhecemos os benefícios para as crianças e sabemos que muitos pais também o defendem”, acrescenta, enquanto admite que “o exterior ainda não é devidamente encarado como local privilegiado de aprendizagem”.

 

Crianças felizes, pais satisfeitos

 

“Bom dia floresta! Podemos entrar?” A pergunta, feita em uníssono pelas crianças, marca o início da manhã na Escola Lá Fora. Depois, durante alguns instantes, ficam em silêncio, com os sentidos alerta, à procura de uma resposta da natureza, como uma brisa do vento ou o chilrear dos pássaros. Assim que a sentem, levantam o dedo e têm autorização para se levantar, uma a uma. 

A maioria corre, então, desenfreadamente, para a árvore, baloiço ou recanto favorito. Mas o Xavier fica parado, olhando intrigado para os dois adultos (jornalista e fotógrafa) que não costumam andar por ali. Ultrapassada a desconfiança, conta-nos que gosta daquela escola, “porque tem muitas árvores, sítios para brincar e esconderijos fixes”. Já Daniel e o Vicente, dois meninos de quatro anos, adoram ter “muita terra e pedras para brincar”, além de “árvores que vão quase até ao céu”.
Também os pais dizem estar satisfeitos. Rita Moutinho, mãe de um menino de três anos, revela que “a adaptação foi super fluída e natural” e que “ele passou a querer fazer muitas coisas sozinho, tal é o nível de autonomia que ganhou”. Além disso, em casa, “começa a explorar a criatividade, em vez se se cingir apenas aos brinquedos, porque a natureza deu-lhe a capacidade de saber utilizar o ambiente à volta”. 

O mesmo acontece com Joaquim, filho de Francisca, feliz por oferecer ao filho uma infância diferente da que teve. “Eu estive anos sentada numa secretária, sujeita a regras e tempos, e não queria que ele vivesse o mesmo. Aqui, passa o dia a gastar as energias e quando chega a casa prefere atividades mais intelectuais, como escrever o nome ou aprender palavras em inglês”, conta-nos, sublinhando ainda a forte relação que as crianças ganham com a floresta. E elas fazem questão de o demonstrar, caso do pequeno Daniel, que se despediu da SCities oferecendo-nos a folha de uma árvore: “Tomem, é um presente da natureza!”.

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Publicado em 3 Maio, 2025 - 00:00
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