O futuro mora longe

Opinião

O futuro mora longe

Joana Guerra Tadeu, ativista, Texto
André da Loba, Ilustração

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As cidades do futuro desenham-se verdes, brilhantes e ultraconectadas. Mas quanto mais nos aproximamos delas mais se desdobram num convite para uns e num aviso de despejo para outros. Onde florescem jardins e carregadores de veículos elétricos, enterram-se os direitos, secam-se os trabalhadores e arrancam-se os pobres. 

Quando infraestruturas verdes valorizam investimentos imobiliários e ignoram comunidades vulneráveis – esverdeamento seletivo – e projetos ambientais impulsionam a especulação e o deslocamento populacional – eco-gentrificação –, parques e ciclovias deixam de ser bens comuns e tornam-se símbolos de exclusividade, criando enclaves verdes onde apenas as elites podem permanecer. 

A Organização Mundial da Saúde descreve espaços verdes e azuis de elevada qualidade nas cidades (microflorestas, hortas, margens de rios e zonas costeiras) como essenciais para a saúde e o bem-estar. Para garantir equidade, cada agregado deveria ver três árvores da janela, cada bairro ter 30% de cobertura vegetal e cada habitante estar a menos de 300 metros de um espaço verde de qualidade. Mas, apesar da crescente implementação de políticas para tornar as cidades mais verdes, estas raramente garantem que os mais vulneráveis possam usufruir desses espaços. 

A Agência Europeia do Ambiente demonstra que as cidades do norte e do oeste da Europa tendem a ter mais espaços verdes do que do sul e do leste. No entanto, as áreas verdes de acesso público representam uma percentagem baixa do total, e a distribuição dentro das cidades é desigual: os bairros com estatuto socioeconómico mais baixo não só dispõem de menos espaços verdes, como os que existem tendem a ser de pior qualidade. Em Portugal, na Alemanha e nos Países Baixos, os bairros com rendimentos mais baixos, menores níveis de escolaridade e elevadas taxas de desemprego têm áreas verdes significativamente menores do que os mais privilegiados. Na Europa Central e de Leste os imóveis em zonas com mais espaços verdes são mais caros, tornando estas áreas inacessíveis às pessoas menos favorecidas. Em todo o continente, bairros com maior proporção de imigrantes e minorias étnicas dispõem de menos espaços verdes e azuis de qualidade, reforçando um padrão de segregação ambiental. 

Até a participação no planeamento urbano é um privilégio: estudos demonstram que quem tem maior estatuto socioeconómico tem mais probabilidade de expressar preocupações junto das autarquias, de influenciar políticas e de participar em iniciativas que lhes garantam benefícios. Já os moradores dos bairros rotulados como "periféricos" enfrentam um isolamento que não é acidental, mas resultado de políticas que perpetuam desigualdades. Nestes territórios, as pessoas apoiam-se em laços familiares e comunitários para sobreviver, mas permanecem à margem dos espaços de decisão. A cidade redesenha-se sem elas, ou, pior, contra elas: onde o verde chega, os pobres saem. 

Para evitar que a transição ecológica agrave a exclusão social, é preciso planeamento participado, acesso equitativo a transportes públicos eficientes e políticas de habitação que limitem a especulação imobiliária e controlem as rendas. Por exemplo, Berlim assegura que os problemas ambientais não se concentram em bairros específicos, e Viena integra os espaços verdes no planeamento da habitação pública. E reduzir desigualdades no acesso a espaços verdes está a maximizar os benefícios que estes têm para a saúde, o bem-estar e a resiliência urbana, ao mesmo tempo que envolver as comunidades no planeamento e gestão desses espaços fomenta um maior sentido de pertença e incentiva a sua utilização.? 

Não há cidades do futuro sem justiça no presente - precisamos de soluções que protejam as pessoas e não apenas os investimentos. Os direitos à habitação e ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, conquistados no passado e consagrados na Constituição, são tratados como mercadoria no presente e esquecidos no desenho do futuro. Se queremos um mundo mais justo, temos de ser melhores a imaginá-lo. 

Publicado em 26 Agosto, 2025 - 09:00