
Ficção
A cidade do futuro será verde

Alex Couto, Escritor e publicitário, Texto
André da Loba, Ilustração
Verde cristal, verde corrida, verde bosque. Mas verde, sempre verde. Para bem de todos, para parar o calor, para recuperarmos o controlo sobre o nosso descontrolo da natureza. Só assimilando, integrando, dando lugar a pods de alamedas, estéticas e frescas, ideais para as cidades encaloradas do presente.
A lua prateada já se punha sobre a cidade, enquanto flutuávamos num terraço esculpido numa ultra sequóia. Os azulejos surgiam debaixo da folhagem. Foi nessa pausa idílica que o supervisor de produção da Solar Living Co. me disse que a equipa de recolha tinha deixado fugir um dos meus gatos.
“Caríssimos,” disse eu, sem paciência “Podemos ir buscá-lo a qualquer momento porque ele tem um CatTag na coleira, caso algum dia alguém fosse incompetente ao ponto de o perder.” Só pensava que seria eu.
“Mas ainda falta a visita final ao projecto, seria a primeira pessoa a visitar a cidade solarpunk original portuguesa...” — disse ele, enquanto ajeitava um chapéu azul da corporação, cada vez com detalhes estéticos mais militares do que filosófico-ambientais.
“Caríssimo, eu desenhei-a.”
Houve um silêncio durante alguns segundos.
“Sr. Henrique, tem de perceber que existem riscos de segurança para si.”
Eles devem ter estranhado a forma como me ri.
“Não vou a lado nenhum até ir buscar o meu gato porque o meu código de conduta simplesmente não tolera o abandono de gatos e caso não se lembrem, sou a pessoa que conhece melhor este nosso mapa de Fortnite.”
Seguiu-se uma discussão gigante no terraço da equipa de produção, e pelo elevador esculpido no interior do caule surgiu o Director de Produção para me desincentivar também. Infelizmente, teve o mesmo resultado.
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Ligaram a imagem do headset ocular, que Henrique levava equipado, ao projector central do auditório (gigante). Vários diretores da Solar Living Co. vieram ver até onde o fornecedor de design iria pelo seu gato.
Vimos Henrique correr ao longo dos contentores com instalações arbóreas e desviar-se das lâminas de folha. O CatTag apontava o movimento do gato para o centro da cidade no canto inferior direito do ecrã.
Daí avistámos as árvores residenciais, onde a frieza do vidro sobressaía das raízes naturais (com bom aspecto tremendo). Mais perto, Henrique subiu pelas barras de titânio até à plataforma que lhe permitia ver o jardim e o complexo de abóbadas da Nenúfar Housing. Voou pela janela com recurso a um plano panorâmico e ao seu bio-jetpack, e conseguiu controlar as guinadas até aterrar na plataforma orgânica.
Era óbvio que todos acreditávamos nesta visão da cidade, tinham sido colocados os melhores designers gráficos, de experiência e de criação de ambiente neste projecto. Vimos como Henrique apertou as luvas, antes de entrar nos portões de hera em direção ao parque de árvores móveis de habitação.
Só depois desta zona (Mobile Tree Units), preparada para todos os que não teriam os recursos para viver nas residências arborizadas centrais (Cypress Condos), é que Henrique e o gato se aproximaram. Ainda assim, estava tão assustado que tentou lançar-se contra os gradeamentos metálicos que separavam a nossa cidade verde do colapso industrial e cinzento que ficava além dos seus limites (na nossa realidade recente).
Abraçado ao gato que primeiro miou e só depois se acalmou, pensávamos em como podíamos deixar os erros do futuro no passado. Um ecossistema à prova de gato e de humano eram boas notícias, mas um gato e um humano à prova do ecossistema eram notícias melhores ainda. A transmissão acabou numa salva de palmas com miados melódicos.